Igreja do Rosário - Padre Tadeu

De Negros para Negros

     A Escola Estadual Conselheiro Afonso Pena está realizando um projeto para apreciação e valorização dos patrimônios culturais de Betim. Alguns alunos
entrevistaram o Padre Tadeu Pôrto, Pároco da Igreja São Francisco de Assis e também responsável pela celebração das missas na Igreja Nossa Senhora do Rosário.
O objetivo da entrevista foi conhecer a história da Igreja e a importância desse Patrimônio Cultural para nossa cidade.
   O Padre Tadeu é natural de Santo Amaro/BA e chegou em Betim em 13 de maio de 2011. Ele nos falou sobre a igreja, mas também falou sobre o Congado, preconceito e racismo. Apesar da complexidade do assunto, a entrevista foi descontraída e bem-humorada.
     Veja a entrevista na íntegra:

Quando a Igreja Nossa Senhora do Rosário foi construída? Como foi sua construção?
     A história dessa igreja começa no ano 1814, quando ainda existia a população escrava. Os negros não podiam entrar nas igrejas para rezar, eles ficavam no hall de entrada, da porta para fora. O que gerava uma confusão muito grande, porque quando os negros eram trazidos da África, eles eram obrigados a assumir a fé católica, mas não podiam frequentar templos católicos. A partir disso, em vários lugares do Brasil negros começaram a se reunir para a construção da sua própria igreja. Até nisso havia um preconceito muito grande, os escravizados só podiam rezar para santos negros. Ficou estabelecido que eles só poderiam fazer invocações para santos negros, São Benedito e Santa Efigênia. Ela começa a ser construída assim, por conta de uma resistência à opressão que eles sofriam. Como nada poderia ser feito sem a ordem do Rei, eles se reuniram em irmandade dos homens negros e escreveram uma carta para D. João VI pedindo; "o senhor pode nos liberar um espaço para a construção da nossa igreja?". Após D. João permitir, eles começaram a juntar dinheiro para a construção da igreja. Apenas 80 anos depois que se inicia essa construção, em 1894.

O senhor sabe por que ela foi construída em uma colina?
Eu não sei, provavelmente é porque onde tinha espaço. Na cidade de Betim, do lado de "lá" do rio era onde moravam os homens brancos e ricos. E do lado de "cá" do rio moravam os pobres e negros, tanto que este bairro se chama Angola, justamente porque era onde morava a população negra da cidade.                                                                                                           

Qual a relação da Igreja Nossa Senhora do Rosário com o congado? 
    A relação é que as pessoas que participam do congado hoje são descendentes dos negros daquele tempo. O Congado é uma manifestação cultural e religiosa proveniente de um país chamado Congo. Os negros quando vieram para cá, tinham seu dialeto, mas foram obrigados a falar o português e as missas eram celebradas em latim. Eles não entendiam e cantavam a partir do que escutavam, da maneira que entendiam. Por isso, não conseguimos entender o que é falado. Parte das músicas são lamentos, são músicas nas quais eles expressavam a tristeza por serem escravos, por terem sido separados das famílias, pela distância da terra natal. Há também cantos em que eles louvam a Deus pela abolição da escravatura.
O Congado é sobretudo uma maneira de resistir àqueles que os oprimiam. Há um preconceito em torno do Congado. Muitos não entendem que é uma manifestação religiosa, tipicamente popular que se torna também uma manifestação cultural. Eles acreditam que dançando e tocando tambores estão louvando a Deus.

A festa do congado é valorizada pela comunidade ou há discriminação?
     Sim, muitos dizem que é macumba, feitiço, magia de candomblé. Como eu nasci na Bahia, eu sei muito bem o que é macumba e candomblé. Quando isso acontece eu digo que estão fazendo interpretação errada, não é porque as pessoas tocam tambor e colocam aquelas cordas no pescoço que é macumba. Não é pelo fato que estão aqui cantando e dançando, um canto e uma dança que a gente não compreende que a gente vai demonizar e nem agir com preconceito, e falar que não é de Deus. As pessoas falam "Padre como você deixa aquilo acontecer dentro da igreja?" Eu respondo para eles - olha, muito antes de eu nascer e você nascer, isso já acontecia aqui na igreja. Desde 1897 existem todas essas manifestações de Congado, então não é de hoje, e não tem nada disso de macumba. E mesmo se tivesse, não cabe a nós julgar.

Por que ela recebeu o nome Nossa Senhora do Rosário?
  Porque era o único santo que eles podiam invocar.

Sendo um patrimônio Cultural de Betim, há apoio do governo municipal em sua preservação?
  Como a igreja pertence à Irmandade dos homens negros, ela é bancada pelo município. A igreja também foi restaurada pelo município. Eu, como padre, sou responsável pela parte religiosa (fazer cultos e missas), mas é função do município cuidar. Quem cuida e também a restaurou foi a FUNARBE. O município dá água, luz, essas coisas. Está vendo essas pessoas andando? Elas são voluntárias que cuidam da igreja, limpam e lavam aqui.

Hoje o que ela representa para a sociedade de Betim?
   A Igreja Nossa Senhora do Rosário faz parte da história de Betim, e hoje ela representa um dos pontos históricos e culturais da nossa cidade.

Podemos dizer que ela é fruto de uma segregação racial, certo? O senhor considera que essa segregação se perpetua na sociedade atual?
   Sim, infelizmente essa questão da segregação social não acabou. Há pouco tempo foi eleita a Miss Brasil, ela é negra e houve várias mensagens de preconceito na internet. As manifestações do congado são uma maneira do povo negro dizer "Nós existimos, nós temos uma história. Se a maneira de muitos louvarem a Deus é entrar na igreja e orar em silêncio, a nossa é fazendo muita batucada." É uma maneira distinta de pensar. O outro não pode ser inferiorizado porque tem uma maneira diferente de manifestar sua religiosidade. Infelizmente, a gente segrega o outro por pensar diferente.

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